São Paulo, 1o de Abril de 2012.
Acordei cedo e levei café da manhã na cama para minha esposa. Café de coador de pano (como minha mãe há muito me ensinou) e pão com requeijão, do jeito que minha esposa gosta. Depois negociei meu alvará de domingo de manhã. Afinal precisava muito colocar a Cavala (BMW R1200GS) na estrada para testar nossos limites.
Tenho testado-a nestes últimos dias no trânsito de São Paulo, é verdade. Mas para confirmar minhas primeiras impressões precisava de uma esticada mais longa experimentando sua principal vocação. E assim o fiz. As 8am de um Domingo meio nublado lá fomos nós para Rod. dos Imigrantes para um "bate-volta" até Bertioga. Meu alvará venceria ao meio dia – e precisava voltar pontualmente para apoiar minha esposa com as crianças – senão ia dar M.
Temperatura agradável (18 graus), estrada vazia, limpa, sem buracos, quatro pistas "infinitas" e livres perfeito para testar o galope suave da Cavala sem sustos. Fui sozinho novamente – afinal, ainda sou um motoqueiro sem tribo.
À medida que avancei várias analogias com passeios à cavalo me vieram a cabeça trazendo boas recordações de anos recentes. A força desta moto, a estrutura, o peso, a robustez e ao mesmo tempo sua docilidade me lembraram muito meu já falecido cavalo "Baião" - um Campolina puro de raça, forte e grande, parceiro e amigo de longas cavalgadas e trilhas.
O bicho tinha um galope suave com a cabeça erguida e orelhas apontadas pra cima e com uma ligeira catucada nas rédeas ele acelerava ainda mais o passo, seguro, tranquilo, sem titubear, como se tivesse sempre um "algo a mais" para mostrar, sem limites.
Minha sensação montado na Cavala foi à mesma. O conta-giros nem chegava no meio e a bicha vinha calma, mansa, a 120km/hr. Uma catucada no acelerador e ela facilmente esticava a 130km..140km.. Sempre mostrando que tinha um "algo a mais" guardado. Amarelei para ir além disso – afinal, fiz promessa em casa jurando andar sempre tranquilo, sem abusar. E assim o fiz, mantendo minha velocidade cruzeiro em média entre 110 - 120km/hr.
Em cada curva, em cada acelerada, era como se uma injeção de liberdade fosse também injetada no meu sangue. Fantástica esta sensação. Minha cabeça veio como um toca-discos repetindo músicas em sequência: Infinita Highway (Engenheiros do Hawaii), Free Birds (do Lynard Skynard), Hotel California, etc.
Minha principal conclusão sobre a Cavala eu resumo em uma única frase: é simplesmente muito difícil colocarmos defeito nela. Tudo bem que ainda estou na fase do “apaixonado com namorada nova”,faz parte. Mas vou embasar um pouco mais esta tese.
Primeiro, destaco sua estabilidade reagindo firme contra ventos, turbulências e buracos. Segundo, sua força e docilidade -sempre te permitindo ultrapassagens seguras e firmes. Terceiro, seu sistema de freios e suspensão - te permitindo frenagens fortes (se necessário) sem desestabilizar a pilotagem. Minha sensação era de que ela me corrigia nos pequenos erros (nas curvas e frenagens) meio que sempre compreendendo e se antecipando ao que eu queria fazer - como meu velho cavalo Baião o fazia.
E o conforto? Neste quesito então nem se fala. Como citei em meu último post, trata-se do conforto de uma poltrona no Kinoplex. Seja pelo banco largo e macio que te“veste”, ou pelo motor bicilíndrico e sua baixíssima trepidação ou por fim pela sua grande bolha que desvia (quase) todo vento do seu corpo. Imbatível. Até no consumo ela se saiu bem com seus 20km/l marcados no painel de controle.
O resultado foi que andei por 4 horas e 270km, tranquilo, seguro em todas as curvas, em todas as frenagens, em todas as ultrapassagens. Zero susto. E para encerrar o capítulo “Análise Técnica feito por um calouro” atrevo-me a falar mais um “absurdo”: a BMW R1200GS é uma moto "perfeita" para iniciantes apesar dos seus 1200cc e muitos cavalos. Logo esqueça este tal papo de que “é muito motor para pouca experiência”.
Mudando um pouco o capítulo, outro ponto que me chamou muito a atenção diz respeito às diferentes tribos que encontrei pelo caminho. Esbarrei com várias delas e mais de uma centena de motos ao longo das 4 horas de passeio. Todos os estilos, todas as idades, todos os sexos e todas às cilindradas. Categorizei várias delas pelo caminho.
Primeiro vem a tribo "dos Tiozão" e suas Customs (Harley, Boulevards, Shadows, etc) - casacão de couro, barba por fazer, alguns de bandana por baixo do capacete, navegando tranquilo sem pressa. Quem sabe me junto a eles um dia.
Tem também a tribo dos “Zé Farofa” e suas motinhos de 125cc com namorada na garupa (normalmente feia e com a calcinha aparecendo no traseiro) andando a 105km/hr e motor esgoelando.
Encontrei também a tribo dos “meia-idade em busca de um Hobbie”. Estes andam em grupos de motos misturadas. BMWs, Nakeds, Harleys – motos em geral acima das 600cc.. andam na faixa entre 120km/hr e 140km/hr e são de todos os sexos e idades. Acho que me encaixo neste perfil.
Por fim, impossível não notar a tribo dos “viciados em adrenalina” e suas bikes nervosas (speed). Estes andam sempre em grupo, equipados como um Jaspiom, sempre acima de 200km/hr batendo pega como em uma prova de moto velocidade, destas que você vê no Sportv aos domingos. E sobre estes, vou escrever mais uma tese.
No meio do passeio, já no meio da RJ - Santos, vinha eu e minha Cavala cruzeirando nos 110km/hr quando percebo no retrovisor uns pontinhos luminosos acelerados e nervosos. Em questão de segundos me ultrapassaram em um zunido agudo. Zim, zim, zim... – eram 6 da tribo dos Jaspions. “Devem estar a uns 220km/hr”, calculei.
“Andam como se estivessem em um videogame e pudessem dar reload na vida”, pensei.
Batata!!! Minutos depois percebo os carros na outra pista piscando farol me alertando para perigo à frente. Reduzo a velocidade e vejo o mesmo grupo de Jaspions parados olhando para o mato e fazendo sinal para quem vinha. Parei de curioso para entender. Conclusão: um deles errou a curva e passou reto capotando entrando uns 60 metros mato adentro (ou morro abaixo). Nenhuma marca de frenagem no asfalto, porém um rastro monstruoso cavado na terra com alguns restos de moto espalhados pelo caminho. “Se esse cara estivesse sozinho na estrada, ali ficaria”, pensei. Afinal seria impossível perceber que ali havia ocorrido um acidente.
Em questão de minutos chegaram ambulância, bombeiro, polícia e vários como eu que buscavam entender e ajudar no que fosse necessário. Em alguns minutos, aos gemidos, o Jaspiom foi tirado do mato já estabilizado em uma maca. Todos juntos ajudamos dando as mãos e puxando ele e os bombeiros dado a inclinação do barranco.
“Ele teve sorte”, disse a paramédica. “Quebrou alguns ossos, mas nada importante. Vai viver. O protetor de coluna o salvou”, disse ela. Pensei na mesma hora na qualidade do meu equipamento e me senti pelado e desprotegido com minha calça jeans e bota de cano curto. Outro ponto que me chamou atenção foi a ausência de sangue. Não vi nenhuma gota sequer. Ou seja, realmente o bom equipamento salva vidas. E a sorte também. Afinal, o cara passou rolando entre placas de sinalização - e se fosse um metro para um lado ou para o outro o corpo dele explodiria na base da placa, dado a velocidade.
Fiz questão de assistir na íntegra o resgate e tirar várias lições e aprendizados deste episódio.
É claro que pensei no fato do risco que corri andando sozinho, o que deve ser evitado. Pensei muito nos equipamentos de segurança que preciso (logo) fazer upgrade, e principalmente, transformei o meu “frio na barriga” –> no meu “shock de realidade” servindo como uma “marca do respeito”.
Que eu me recorde sempre deste dia e dos gemidos do cara quebrado... pois só assim saberei respeitar meus limites e manter o respeito necessário para seguir adiante com meu projeto - pois afinal de contas, preciso estar sempre ciente do real risco que esta aventura também representa.
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Eu e minha Cavala - parado no Frango Assado, no início da Imigrantes |
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Uma das tribos que esbarrei pelo caminho |